quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Eliézer

Ando escrevendo muito ultimamente, e também, começo a acreditar que da mesma forma que transcrevo sentimentos ao papel, ele também me transmite osmoseamente algo à mim.
Me sinto um tanto perceptivo demais, sou capaz de vivenciar dores apenas imaginando como deveria ser doloroso.
Hoje pela tarde imaginei como seria envelhecer, perder locomoção e falecer, e de imediato, meu semblante tornou-se lúgubre, não havia fôlego em meu pulmão, e tampouco calor em meu corpo. De fato, por um momento vim a falecer.
Me sinto solidamente instável. Um vulcão prestes a entrar em erupção, e minhas ações serão como larva ardente agindo sobre todos os demais.
A mesmice rotineira que oculta o real sentido de nossa existência. A cada dia acordo dum sono confortante, e vivencio a realidade caótica de respirar o fôlego cinzento da megalópole capitalista, caótica por natureza artificial.
Trôpego de tristeza, encaro a lúgubricidade da vida insólitamente. Falácias e devaneios preenchem a ausência dum sorriso puro, da alegria instantânea e repentina, outrora acompanhada de festejos, hoje vendida em cápsulas de sabedoria temporária, em algumas tantas miligramas.
Tornar sua consciência ilibida acarreta no descobrimento das reais intenções mundiais. O fervor ígneo pulsante de seu coração ritmizado a aversão à obnubilação alheia, decorrente do cabresto imposto à sociedade, lhe propulsiona a questionar se o real é mesmo tão inferior ao ilusório, mesmo que viver seja melhor que somente sonhar.
O idiomatismo intencionado por nossa regência sistemática, cujo lucro é unívoco. O capital sobrepõe o ideal, o social é casual, e somos obrigados a assistir uma sociedade rumando à própria extinção ideológica, a comunidade que crê que o amor tornou-se obsoleto, e a voluptuosidade é o único fator a nos importarmos.
A inerente melancolia de minha alma, sussura a cada instante evocando a plasticidade das vidas artificial e programadamente contentes das pessoas ao redor do mundo.
Sou mesmo este transeunte impopular, o anõnimo que anseia poder fazer de tudo, mesmo nunca passando de um nada, o grito silencioso que ecoa na cabeça daqueles que vetam até sua livre expressão.
O canastra, o blefe, o tiro no escuro. O vigia que registra o movimento terreno e perpetua um conto caótico sobre a sociedade criada à semelhança de Deus, porém que muito difere do criador puro e benfeitor.
Diferentes, e como! Somos todos iguais ao passo que cada um de nós possui diferenças, diferenças estas que nos caracterizam, personificam e nos une. É exatamente isto que somos, um composto diferencial, uma amalgama multiétnica.
Tudo que eu ouço é tão somente a sonoridade das vibrações juvenis pulsantes dentre os cosmos de nossas mentes, que são infindáveis trilhas que nos guiam ao absolutismo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O sapo

Um coacho rompe o silêncio que envolvia o garoto naquele cômodo.
O garoto estranhou o fato dos móveis coacharem. Procurou de onde vinha o som, e encontrou em cima da mesa de centro a gaita de fole o encarando enquanto coachava.
Fixou seu olhar e só então pode ver que a gaita foi substituida por um sapo inexplicavelmente.
Um sapo. Um sapo azul de papo branco.
Enquanto coachava seus olhos expandiam e contraiam como se fossem seu papo.
O garoto esticou o braço para tocá-lo, mas não conseguiu ao menos apalpá-lo de leve, e então escorou-se a frente do anfíbio para melhor enxergá-lo.
- O que pensa que está fazendo? - disse o sapo sem a necessidade de mover seus lábios.
O garoto espantado tenta lhe responder, porém o único som que consegue reproduzir é similar ao de uma corneta.
- Vamos me diga, o que pensa que está fazendo ai em cima? - acrescentou o sapo.
O garoto mal havia se dado conta, mas encontrava-se próximo ao teto, sentiu sua perna formigar e notou que as pernas estavam envoltas em chamas fluorescentes. Com a ajuda das mãos apagou as chamas de suas pernas e desceu bruscamente ao sofá. Tornou a encarar o sapo e notou que ele trajava uma mini capa, em sua perna direita havia um cetro e em sua cabeça uma coroa.
- Pare de me olhar! Não faça tanto barulho! - berrou o sapo. O garoto com um semblante de espanto encara por mais uma vez o irado sapo. Neste momento um turbilhão de coachos inunda o cômodo. Num instante, o silêncio torna a reinar nos ouvidos do garoto, que começa a gargalhar disparadamente. Estava feliz. Feliz porque percebeu que na realidade ele era o próprio sapo. Riu, riu e riu - assim dess forma incessante- até desacordar e deixar para trás apenas a cartela vazia em seu peito, e uma carcaça inerte ao sofá.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

2010

O garoto que chuta sua bola com tanta força que acaba acertando a janela do vizinho,
O vizinho que não se importa em ser apenas uma criança e torna a fazer o costumeiro estardalhaço,
A garota que envergonhada entrelaça calmamente os dedos de sua mão nas mãos de seu flerte,
O flerte que por sua vez arrisca todas as suas chances num único beijo roubado de sua donzela,
O pai de família que se deita ao sofá e acaba pegando no sono após um cansativo dia de trabalho,
As buzinas quem em unissono ecoam por entre a selva de concreto na megalópole em que vivemos,
A carinhosa mãe que mesmo após uma faxina quase infindável ainda encontra tempo para acariciar os filhos antes de durmir,
O noticiário que reporta todas as desventuras decorrentes do dia para lembrarmos que o mundo não é constituído somente de alegrias,
As mesmas intrigas rotineiras, os mesmos namoricos, nem sempre as mesmas pessoas, nunca o mesmo tempo, mas sem dúvida alguma, o mesmo mundo.
Esqueça a retrospectiva e foque o futuro. Ano novo, tudo de novo.