sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Prelúdio dum livro qualquer

(...)
Não se importava com quaisquer que fossem as consequências, ao menos era o que podia-se pensar, quando ele com seu binóculo, defronte à janela do prédio vizinho, fixava-se ao espiar a sua nova vizinha.
Ela, havia se mudado há pouco para aquele prédio - sabe-se lá Deus por quais motivos - e parecia simplesmente não notar que havia todos os dias um vizinho a lhe espiar, dia após dia, como se nada mais tivesse importância.
No quadrante onde moravam, toda a vizinhança se conhecia. Toda a vizinhança, salvo aqueles dois, que nunca haviam ao menos trocados olhares - mesmo aqueles sem mil intenções - em qualquer que fosse a viela.
A julgar pela rotina da garota - ao menos a rotina que o garoto espiava - a garota era tão só quanto ele. Ele, cujo nome pouco importa nessas palavras, não era só, muito embora algumas vezes sentia-se assim.
Ele não se importava em filmar, mesmo que com os olhos, as ações da garota. Ele acompanhava seu despertar, seu desjejum e também a sua saída para o trabalho. Ele também esperava ansiosamente o seu regresso, já que não saia de casa para trabalhar. Na verdade, não era muito de sair. Ia até a padaria todos os dias, num horário que precedia o despertar da vizinha. Comprava sempre um sanduiche natural de peito de peru, e uma caneca de cappuccino. Na saída, acabava passando na banca de frutas, e ali escolhia algumas frutas frescas - as de suco amarelado na sua opinião eram as mais gostosas - e, encerrando seu itinerário matutino, passava na banca de revistas do seu Gregório, que chamava-se "A Banca", e comprava alguns gibis - de preferência, os do lanterna verde.
Voltava para casa, e abria o seu notebook. Conectava-se, e religiosamente na mesma ordem abria um blog do qual era fã, e então seguiam-se deste, cyanides, facebook, youtube, e por fim, seu próprio blog, onde escrevia sobre algumas conjecturas que possuia, mas não as praticava. Abria então alguns softwares, onde manipulava algumas linhas e pixeis, até que estas se transformassem em imagens. Este era seu trabalho, desenhar coisas que ninguém mais conseguia desenhar. Estava tão viciado na garota que, sabia exatamente o horário em que chegava. Então desligava o notebook, e ligava-se no mundinho de espião que havia criado.
Se ao menos pudesse lhe dar um oi. Se ao menos pudesse lhe dizer seu nome. Talvez seria mais fácil para ele simplesmente mostrar o retrato que fizera da garota, para a própria musa inspiradora. Olhava ele os seus desenhos, e pensava: " Quem dera tê-la em carne e osso, e não em imagem".
Este era seu trabalho. Esta era sua rotina.
(...)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre ver, mesmo com os olhos lacrados feito baús velhos

E se por um instante abstraio-me de tudo,
sou capaz de entender mesmo as mais complexas organelas invisíveis à olho nú,
sou capaz, e logo entendo que isso pouco importa,
pois o que importa mesmo é o que sente, não o que se vê.

Visão é plurissignificativa!
Visão é uma dádiva que não se manifesta em qualquer um,
mesmo que existam pessoas que estejam longe de serem rotuladas como qualquer um,
a visão ainda assim não as atinge.

Existem cegos por limitação física,
alguns tantos cegos por limitação psicológica,
existem cegos que pensam enxergar, e há ainda aqueles que não se permitem ver.
Cegos porque vêem unicamente com seus olhos.

Os amantes das belezas visuais que não me entendam mal,
todavia para mim, mais belo que ver, é sentir,
e neguem se puderem, mas sentimos muito mais o mundo de olhos fechados.
Assim não vemos suas impurezas, e sentimos suas positividades.

Se abstraio-me, sou capaz de ver com os olhos fechados,
porque deste jeito, assim tão simples, é que nos libertamos da limitação de somente ver o mundo com nossos olhos.
Não deveríamos nunca depender unicamente de nossos olhos, afinal, vai que...

A visão é o conjunto de coordenadas cerebrais, que consolida aquilo que sentimos,
logo tudo que vemos é o que sentimos, mas de uma maneira uniforme, extensiva porém limitada.
Quando nada se vê, entretanto tudo se sente, o sentir é de ainda maior prazer do que o simplório ver.

Sei que isso soará como loucura, ou egoísmo de minha parte,
e que fique bem claro que sou contente por ser uma pessoa que enxerga também com os olhos,
mas acabar vendo unicamente com os olhos, é limitar-se.
Feche os olhos, e deixe a chuva escorrer seu rosto, e todo este texto fará sentido.

Sou grato à Deus pela minha visão - sim, à Deus, pois sou convicto em minha religião - e contente por ser capaz de olhar com os olhos da alma,
afinal, se de quimeras mil, castelos ergo, porque não transpassar limitações físicas?
Pratique o sentimento, e garanto que expandirá tuas visões.