sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O cheiro da solidão

Um estalo ecoou por todo aquele cômodo. O tal estampido foi o que me motivou a voltar a realidade. Estava eu ali, de pé, cabisbaixo, olhando o incessante fluxo de carros abaixo de mim. Minha cabeça moveu-se por todo o raio do cômodo, quase que inconscientemente, a procura de vestígios de quem eu fui, sou, ou era.
Ali ao centro, pode ser avistado um montante de cartas, sob as pilhas de jornais, algazarradamente distribuídos em minha mesa, e todo o conjunto embebedado pelo uísque que não me lembro de ter derrubado.
Manchas de diversos tamanhos e formas cobrem as paredes de meu apartamento. A umidade tomou não só minhas paredes, mas também meu apego pela residência.
O café ainda esfumaça. O cigarro encontra-se parcialmente consumido. Nesse momento, é quase possível enxergar a película transparente que divide minha vida de plástico, do mundo afora.
Ao fundo ouve-se o frígido som da TV chiando, por conta do cancelamento da programação por razões meramente financeiras. Percorro o curto espaço que possuo por entre essas quatro paredes, e quase me extasio ao ouvir o som das gotas de água colidirem com a superfície liquefeita sobre a pia, por conta das sujidades ali encontradas.
Acabo desabando em meu sofá, tão desbotado quanto o céu acinzentado sobre nossas cabeças, e escoro meu pescoço a procura de descanso, o ventilador de teto girava tão lentamente que podia pensar em diversas coisas antes mesmo de completar uma volta.
E foi exatamente embalado por esse ritmo isento de frenesi ou qualquer outra pressão à mim exercida, que pude pensar, repensar, lembrar e descobrir, o porquê de minha vida se resumir à tamanha simplicidade, enquanto a poucos metros de mim, encontra-se uma megalópole, tragando para si um ritmo desenfreado, repleto de dinâmicas que faltam em meu mundo, uma extensa selva de concreto, onde não se distingue homens, mulheres, crianças, armas, livros, veículos ou animais, a ameaça independe do que é feita, mas sim, da forma que agirá. Agora me recordo. Papel e caneta em minhas mãos poderiam ser armas letais, mas já não sou mais quem costumava ser.
Uma leve brisa penetra em meu apartamento, o que fez perceber que havia deixado a janela semi-aberta. A brisa trouxe consigo um pequeno anúncio de cigarros, que aterrizou ao lado do velho uísque. O contraste era único. Tive a impressão de que o destino aos poucos estava moldando meu novo eu. Ao atentar-me ao anúncio próximo ao uísque, pude por mais uma vez lembrar o quão podre era o mundo, onde drogas são facilmente comercializadas, um submundo repleto de impurezas e egoísmo. Costumava ser o tipo de pessoa que menosprezava tais coisas, e agora me encontro escorado ao sofá, a barba já cerrada, filosofando minha existência, enquanto observo em minha mesa os diabretes que tanto repudiava, apossarem de minha vida, como meus únicos amigos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário