sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Templo

Tive cuidado ao trancar a porta do carro que acabara de entrar. Quase que numa sincronia adquirida com muito treino, as chaves foram giradas a fim de partimos com o carro. O forte som do motor confirmou o que já era evidente: estávamos de saída.
O carro percorreu alguns centímetros, e ainda assim ganhou potencia suficiente para alcançarmos grande velocidade ao decorrer do nosso trajeto. Partimos com um impotente e calado algarismo, que em pouco tempo se transformara numa saudosa centena. Cento e dez cento e vinte... Os números só aumentavam, o que faria até mesmo um leigo entender a situação, evidentemente estávamos com pressa.
O clima era gélido, num dia cinza, e o tilintar das gotas da chuva cristalina, irrompendo em nosso pára-brisa me servia de distração enquanto não atingia meu destino. Dentro do carro, trocamos algumas poucas palavras. O suficiente para rirmos mais uma vez em família – já há algum tempo quem não nos reunimos para fazer coisas do tipo – e voltarmos nossa atenção ao trajeto.
Poucos foram os minutos que se passaram até alcançarmos nosso objetivo, mas por fim pude avistar logo acima do morro, um templo de grande porte, ornamentado e com suave, mas não menos imponente iluminação.
Redobrei o cuidado para fechar a porta do veículo - o modelo era nada mais, nada menos que um Volkswagen Gol ano 2009, tão vermelho quanto a cabeça de um pica-pau – e tão somente após certificar-me de que a porta não seria facilmente aberta, continuei rumo a meu destino, que estranhamente aparentava me esperar, e num sentimento recipucro, caminhei em direção ao templo.
É válido lembrar que, poucas pessoas me conhecem a fundo. Em partes ou por completo, ainda não sei ao certo, sou o grande culpado por isso, pois, o potencial de meu intelecto às vezes me assusta. Isso torna-se visível quando transmito diversas personalidades, sendo quase indistinguível qual delas é a verdadeira. Às vezes estranho ser apto a ocultar sentimentos, sou um completo estrategista e tudo faço para que nada fuja do meu roteiro. Em suma, tenho capacidade de ser o quê, ou quem quiser, o que dificulta saber ao certo quem sou, e o pouco que dizem sobre mim, é que sou um garoto temente ao mundo, envolto por uma espessa camada dum misto de medo e trauma, o que faz de mim inatingível por outro alguém. Talvez isso seja verdade, outrossim, gosto de explorar ao máximo a massa encefálica pertencente a mim. Sendo eu escravo de minha mente, torna-se evidente que a única brecha nesta minha defesa intranspassível é minha própria massa cinzenta. Mente sã e alma sã habitam um corpo são. Se minha mente padece, pereço igualmente.
Encontrava-me em pé, de cabeça erguida, contemplando a construção arquitetônica. Senti a mão de meu primo golpear levemente minhas costas com um tapa. Chegara a hora de adentrarmos o templo.
O momento seguinte tornou-me vulnerável. Ao subir as escadarias ali presentes, observei o modo fraternal como todos ao redor de mim se cumprimentavam, e diferente de mim, estavam isentos de falsidade, eram todos felizes por amarem uns aos outros. Não bastasse o choque por ter percebido que eu era a única ovelha desgarrada ali presente, subitamente me deparo com a figura de um senhor, prostrado ao último degrau da escadaria, era final, mais uma das ovelhas pastoreadas.
O sujeito possuía estatura mediana, cabelos semi-grisalhos e um óculos pouco chamativo. Bem vestido, trajava um terno de cor negra, o que destacava sua gravata dourada em meio a sua camisa branca. Seus sapatos bem engraxados lhe davam um quê de perfeccionista. Particularmente, não possuía muita beleza, era do tipo que não se destacaria na multidão, entretanto, não foram suas vestes que me chamaram a atenção, mas sim o sorriso que estampava em teu rosto.
Mal pude concluir minha observação, e o sujeito estendera seu braço direito à mim, natural que eu fizesse o mesmo, e ao fazê-lo, me ocorreu o que há muito adiava. Pude eu presenciar o amor fraternal e incondicional daquele senhor por mim, e nada fiz para merecê-lo, salvo o fato de sermos considerados irmãos em Cristo.
Ao tocar sua mão, senti que o sorriso que lhe estampava o rosto, agiu como um vírus. Transpassou minha até então inabalável defesa, percorreu por todo meu braço, alcançou meu peito e fincou-se em meu coração, conseqüentemente, um impulso me tomou o cérebro, e acabei estampando em minha face o mesmo sorriso que aquele senhor.
Não deixei transparecer, mas me mantive estático. Aquele senhor realizou o que por deveras vezes outros tentaram. Não só ruiu minha tão misteriosa defesa, como atingiu meu calcanhar de Aquiles, e mais do que isso, provou que ainda mais falho que minha mente, era meu coração. Por certo lembrei o que há muito havia me esquecido: meu coração era tão vívido quanto minha consciência.

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