terça-feira, 1 de junho de 2010

Já faz algum tempo

Mal termino de raspar a barba, e de súbito me vem a dúvida de quando será o próximo momento em que terei de encarar-me uma vez mais de frente ao espelho a fim de retirar novamente estes fios de tempo que incessantemente hão de crescer em minha face.
Não me agrada ter de encarar o espelho com esta gilete em mãos. Não gosto de ter de me encarar. Não gosto de ter de encarar que o tempo passa.
O tempo está na barba que cresce, no creme de barbear que se acaba, ou na camiseta que se repete. Pensando bem, mesmo que não se raspe a barba o tempo há de passar, e raspamos a barba únicamente para enganarmos a nós mesmo sobre a decorrência cronológica dos acontecimentos ou das lembranças que temos. Raspamos a barba para que diante ao espelho simulemos certa reversão no tempo.
De barba feita, apanho algum fruto no balcão de minha cozinha, e à medida que abocanho a polpa da fruta, começo a imaginar o trajeto deste fruto da terra, desde seu surgimento até seu final em minha guela abaixo. Certamente durante algum outono, folhas cairam duma árvore, e estas folhas foram substituidas por novas folhas numa primavera qualquer, surge então algum fruto, que enquanto é devorado em alguma boca qualquer, sementes de seu interior são cuspidos ou arremessados à sorte, sementes estas que viriam a se tornar novas árvores, que desprenderiam novas folhas, e que trariam novos frutos com novas sementes, e a polpa que devoro neste momento é certamente de um deste frutos que fora colhido desta nova árvore, e reservo as sementes para que este ciclo se repita quantas vezes for necessário. O tempo tem mesmo dessas coisas, fazendo com que o tempo mude, entretanto não necessariamente algumas coisas mudem - somente algumas coisas.
Outonos sempre serão outonos. Verões sempre serão verões. O inverno sempre vai lhe trazer aquela vontade de estar abraçado, esquentando quem se quer tão perto que a respiração seja única. O tempo passa, as estações continuam as mesmas. A estação, ainda é a mesma. Já não adianta mais esperar sua voz no outro lado da linha, o tempo não me permite mais este desejo. Não importa quanto tempo levar me encarando enquanto me barbeio, eu sei que você não aparecerá, se não dentro dos meus olhos. E mesmo que ainda sinta seu cheiro ao usar aquela camiseta já desbotada, sei que já passou tempo demais para ter a esperança de que você estava somente confusa.
Não sei se foram os joelhos tremendo, as mãos suando, ou as frases sem sentido, mas é que sou incapaz de me esquecer daquele tempo em que era tão mais fácil amar. Não haviam medos, não haviam traumas, em compensação havia você. O tempo passou mesmo, e acabei repetindo esta camiseta tantas vezes que mal me lembro se tal fato se deve ao esforço de manter sua recordação tão viva quanto está longe de mim, ou se por pura necessidade.
Hoje eu me decidi, e vou deixar a barba crescer, ao menos assim percebo o tempo passar sem ter de me enganar. Sejam as estações do ano, ou estações de metrô, na qual tu entrou num ônibus, e nunca mais a vi. Sempre que passo por lá espero teu regresso. Sei que bem como o ciclo dos frutos, você não mudará...sua lembrança não mudará, e também nem a esquecerei, todavia uma coisa eu digo: esta camiseta eu jogarei fora, e sei que assim sua lembrança não morrerá, mesmo que para ti eu tenha morrido, e para mim pouco importa se tu vive, pois o que me entristece é ter de ver o tempo passar e eu levar assim calado, preso ao tempo. O que me traz boas estimas são estas nossas recordações, é esta saudade que sinto de você, porém não necessariamente seja você quem irá me fazer feliz. O tempo passou e acabei mudando meu pensar.
Deixe assim. Deixe minha barba crescer, e a camiseta ser trocada. Cedo ou tarde o tempo acaba mudando a rota das coisas, e desta vez eu só quero poder acompanhar o mais fielmente possível o momento em que colocarei tudo a perder.

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