terça-feira, 11 de maio de 2010

A ficha nunca cai

Dias desses me observei no espelho, e confesso que não notei diferença sequer, logo de imediato. Não me recordo do exato momento em que a ficha começara a cair pra mim, porém recordo com perfeição que caíra tão pesada quanto uma rocha, agredindo e alertando todo a minha consciência existencial. Acho que a ficha nunca cai. Rotineiramente olhamos nossos reflexos em espelhos, vidros, ou mesmo em acessórios reluzentes, e mal percemos que aquela ruga ou aquele pêlo que não estava ali no dia anterior, significa muito mais do que mera desatenção de nossas retinas. A nostalgia que sentimos ao olharmos álbuns de família é na verdade um verdadeiro apelo do nosso corpo para nossa consciência: o tempo nunca parou. Acho que a ficha nunca cai. Mesmo depois de um revival de emoções, de lembranças inacabadas e assuntos mal resolvidos, ignoramos aquele fio de cabelo branco e brincamos feito crianças com pessoas que gostamos, e determinadas vezes, até mesmo com quem não conhecemos, muito embora em algumas ocasiões façamos isto para provarmos para nós mesmos que nunca deixamos de ser aquela criança que encontra o melhor amigo, simplesmente ao saber que um coleguinha gosta tanto de refrigerante quanto ela. Vemos tantas pessoas chegarem, e partirem. Presenciamos até mesmo a nossa partida, e as idas e vindas da vida. Sobrinhos, netos, filhos, amigos,namoradas, ex-namoradas, batizados, funerais, casamentos e divórcios. Tanto passa, e fingimos que não percebemos o quanto passa, inconscientemente negamos que o fim não tarda, que aquele hit que ninguém mais escuta não é demodé, e que aquele espelho do guardaroupa de nossas mães é que encolheu e não nós quem crescemos. Acho que a ficha nunca cai, entretanto começara a cair pra mim quando notei que meu blog já ultrapassa a marca dos oitenta textos, que escrever pra mim agora tornou-se mais que vício, e que meus dedos já calejaram com as cordas do violão. Nunca saberemos quanto tempo ainda nos resta, e tentamos enganar esta sentença fingindo ser as crianças que nossos corpos não nos permitem mais ser. Nossa coluna se nega a acreditar que ainda não tomamos tento com o mal uso dela. A ficha nunca cai, e acho que eu sempre vou deixar o tempo me levar, sendo eu esta eterna criança que ri em horas erradas, que simplesmente corta a barba quando já grande e alva, e que escreve imperfeita e prolixamente as estranhas sensações cotidianas de se olhar o espelho. Ao menos quando a ficha me cair, eu ja terei me felicitado o suficiente com a minha passageira vida.

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